Gabriel

 

Infelizmente o modelo obstétrico brasileiro não permite que a maioria das mulheres tenha a sua opção de parto. Pesquisas mostram que, quando indagadas sobre o tipo de parto que querem, a maioria prefere o parto normal, mas, os médicos que as atende acabam por “manipulá-las” (mesmo que elas não percebam) e acabam sendo, muitas vezes, induzidas à cesariana.

Neste modelo são pouquíssimos os médicos que aceitam esperar pelo nascimento juntamente com a mulher. E este modelo de respeito e humanização exige que a mulher busque equipes realmente humanizadas. Claro que há um preço para isso. Mas, para mim, acima disto há a necessidade de informação e preparação. O que queremos para o nascimento de nossos filhos? Como queremos ser tratadas e como queremos que tratem o bebê em seu primeiro contato com o mundo?

 

Tomei conhecimento deste mundo da humanização no final de 2011, através do nascimento da filha de uma amiga. Como fazia três meses que havia perdido meu primeiro filho, decidi que era esse modelo de atendimento humanizado ao parto e ao bebê que eu queria para uma próxima gestação.

 

A minha primeira gravidez foi complicada. Tive sangramentos desde a 14ª semana e, com aproximadamente 20 semanas, fui diagnosticada com placenta prévia centro total. Tive rompimento prematuro de bolsa às 29 semanas, além do descolamento de placenta. Precisei de uma cesariana de emergência e o Bruno chegou prematuro. Foi direto para UTI, onde ficou por 56 dias. Nesse tempo, respirou sozinho com 5 dias de vida, ganhou peso, começava a se recuperar. Chegou a ser transferido para o semi-intensivo. Mas pegou uma infecção hospitalar grave, da qual não conseguiu se recuperar e foi para os braços de nosso Senhor Jesus Cristo aos 56 dias. E nós, eu e meu marido, estávamos lá, ao lado dele, segurando sua mãozinha até ele partir.

Vi, nos dias de UTI, vários bebês serem internados lá por alguns dias por conta de cesarianas realizadas antes do tempo, por erro de cálculo dos obstetras. Bebês entubados, com sondas naso-grástricas para serem alimentados, entre outras intervenções. Com o conhecimento de um outro modo de nascer, “humanizadamente”, tive certeza de que não queria isso para um outro filho.

Passei a me informar, entrar em contato com ativistas da humanização e troquei de médico antes de qualquer coisa, até mesmo de engravidar. Como disse acima, sabia que isto teria um preço (financeiro mesmo) e, sem ter ainda planejado engravidar, criei uma poupança para isso, mesmo sem saber os valores que seriam necessários. Tudo o que eu podia economizar ia para esta poupança. Neste meio tempo surgiu uma oportunidade de um trabalhinho “extra” e tudo o que ganhei com ele foi para essa poupança. Ficava muito orgulhosa de vê-la crescendo, sabendo que estava garantido um atendimento respeitável e de qualidade para meu próximo bebê e para mim. Foram quase dois anos garantindo um atendimento digno para mim e para meu filho. E, de grão em grão…

 

E em janeiro de 2013 estava grávida!! Lemos tudo o que nos indicavam, participamos de Grupo de Gestante. Fechamos o pacote com nossa linda equipe: obstetra, neonatologista, doula, além da fotógrafa, pois queríamos o registro deste momento único.

Os encontros do Grupo foram essenciais na busca por informação e preparação para o parto. A leitura do livro “Parto Ativo” também foi essencial e acabou se tornando meu livro de cabeceira. Toda dúvida que eu tinha, corria até ele e lia, relia e sempre me trazia tranquilidade para quando o meu momento chegasse.

A gravidez transcorreu tranquila. Eu estava calma e a ansiedade que sempre foi minha companheira desta vez ficou de fora. E isto me pareceu fazer com que o tempo passasse até mais rápido. Quando vi, estava na minha hora!

Às 37 semanas fiz um ultrassom para saber posicionamento e tamanho do bebê. Tudo certo e bebê gordinho! Com 39 semanas, na consulta do pré-natal, a obstetra pergunta sobre o descolamento de membranas. Aceitei fazer e ela disse que talvez precisasse tentar de novo na semana seguinte. Mas não foi necessário. Perdi o tampão dois dias depois. E então, na madrugada de sábado, com 39 semanas + 4 dias, minha bolsa rompeu!!

 

Eram 4h20. Comecei sentindo uma coliquinha e achei que não era nada. De repente, um estalinho. Fui ao banheiro e vi que estava perdendo líquido. Voltei ao quarto e o marido estava dormindo. Fiquei com pena de acordá-lo. Voltei ao banheiro e perdi mais um pouco do líquido. Chamei-o e ele ficou super feliz. “- Vamos lá! Vou tomar banho, fazer a barba, lavar a louça da noite anterior. Vamos mandar mensagem pra doula e aguardar.” Estávamos bem tranquilos. Eu começava a sentir as cólicas aumentarem, mas ainda sem contrações. A doula chegou a dizer que talvez até desse para participarmos do encontro do Grupo que aconteceria naquele dia.

Mas as coisas começaram a ficar diferentes. Comecei a ter contrações e o Gera começou a monitorá-las. Estavam acontecendo a cada 5 minutos. Informamos a doula e ela disse que estava a caminho. Como as dores foram chegando com as contrações fui para o chuveiro e lá fiquei até quase sairmos para o hospital. A doula chegou mais ou menos às 6 horas. Ficou coversando comigo e me tranquilizando no chuveiro, me lembrando de que tudo aquilo que estava acontecendo estava trazendo o Gabriel para mais perto de mim.

 

As contrações foram ficando mais próximas e quando estavam de 3 em 3 minutos, decidimos sair para o hospital, para que o percurso não fosse tão torturador. Saímos de casa às 8h30.

A fotógrafa já estava nos aguardando lá. Demos entrada no Pronto Atendimento para ser examinada. E, nesse momento, a presença da doula foi fundamental. Senti-me amparada em um ambiente em que verem uma mulher em trabalho de parto é coisa do outro mundo (depois, já em recuperação do parto, fui chamada de guerreira por uma das enfermeiras, porque, segundo ela, lá ficam semanas e semanas sem acontecer um parto normal). Fui atendida e estava com 5 para 6cm de dilatação. Subimos para o quarto e lá as coisas ficaram mais intensas.

Doula, Geraldo e fotógrafa me apoiando, incentivando, respeitando. As dores estavam agora bem fortes. Contrações intensas. Era meu corpo trabalhando, me mostrando que estava mais perto de ter o Gabriel nos braços. Era um tal de “Rebola!”, “Dança!”, “Se entrega!” e eu queria, juro que queria ter me desligado mais. Comecei a me assustar com a intensidade das contrações. (Isso que vem a seguir não contei a ninguém… e me arrependo disso! Contei há poucos dias para o Geraldo e agora aqui no relato). Esse assustar estava ligado à minha cesariana anterior. Fiquei com medo da tal ruptura uterina e aí, literalmente, me desesperei. Perdi o controle. E aí, é claro, que as dores ficaram piores. Pedi analgesia. Não aguentava mais. Estava cansada e com medo do poder do meu próprio corpo.

 

A obstetra chegou acho que algo em torno de 10h. Perguntou como me sentia, como eu estava e a única resposta que consegui dar foi de que não queria mais sentir dor. Ela perguntou se eu queria a analgesia e eu disse que sim.

Fomos então ao Centro Obstétrico.  Foi feita a analgesia e logo o efeito foi começando. Quando as dores passaram tudo virou alegria. O clima ficou descontraído, demos bastante risada!! Fui sentindo as contrações e o tempo foi passando. A obstetra me examinou novamente por volta das 11h e estava totalmente dilatada. Agora era começar a fazer força.

 

Eu estava na banqueta de cócoras e assim comecei a fazer força conforme vinham as contrações. O bebê desceu, mas a cabeça estava fora de posição. Fui então para a maca e com as pernas apoiadas conseguia fazer mais força. A obstetra ajudou a virar a cabeça do bebê, voltei para a posição de cócoras, mas para mim não funcionou. Voltei para a maca e como atingi 2h30 de expulsivo, a médica sugeriu intervir com o fórceps, pelo tempo que eu estava fazendo força e pela posição da cabeça do Gabriel.

A princípio fiquei com receio. Acredito que a maioria das pessoas ainda tem uma imagem negativa do fórceps. Mas a equipe me tranquilizou. O fórceps foi colocado e assim que tivesse uma contração, agiríamos juntas, eu e a obstetra. Veio a contração, muita força e então, às 13h42 o Gabriel estava no meu colo!! Que sensação maravilhosa!!! Consegui ter meu bebê!!! Lindo, quentinho, cheio de vérnix!! Chegou bravo, chorando, mas lindo, lindo!!

 

Foi recepcionado com muito carinho e cuidado pela neonatologista.  Foi lindo ver o Gera encantado e babando pelo filho que estava ali conosco! Sentimos o cordão pulsando e esperamos parar de pulsar para, então, o Gera cortá-lo.

Foi tudo muito lindo e hoje penso que eu me descontrolei cedo demais. Mas não me arrependo de nada. Aprendi que realmente, como ouvimos nos encontros e lemos nos livros, temos que nos livrar de nossos medos antes do parto. Enxergar esses nossos medos e não nos enganarmos ou ignorarmos esses medos. Percebi que na hora do parto devemos estar esvaziadas de todo sentimento negativo ou preocupação, nos entregarmos realmente de corpo e alma a esse trabalho.

 

Só tenho a agradecer a todos que estiveram conosco nesta jornada. Agradeço a Deus por permitir que eu engravidasse novamente e por me dar uma família linda. Agradeço ainda: à obstetra pelo cuidado ao longo da gestação, no parto e no pós-parto; à neonatologista pelo apoio no momento do parto, pelo carinho com que recebe e cuida dos bebes; à doula pelas informações, paciência e cuidado, as massagens durante as contrações foram maravilhosas, parecia mágica!; à fotógrafa pelo lindo olhar refletido nas fotografias lindas, além do apoio também no momento do trabalho de parto; ao Grupo de Gestante pela possibilidade de acesso à informações de qualidade; ao meu marido pelo apoio, cuidado e amor incondicionais; e à nossa família pelo respeito à nossas escolhas.

 

Vivianne

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